sábado, março 12, 2016

De que é feito o desejo sexual masculino?


por Ana Alexandra Carvalheira, VISÃO [15.02.2016]
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Sendo processos diferentes, desejo masculino e feminino têm mais parecenças do que aquilo que se julga

A primeira coisa que surge para responder à pergunta, é dizer que é feito duma matéria certamente diferente da do desejo feminino. Mas sendo processos diferentes, desejo masculino e feminino têm mais parecenças do que aquilo que se julga.

O desejo sexual masculino é comummente apresentado como uma entidade sólida e inesgotável, uma espécie de mecanismo autónomo, com vida própria, uma força indestrutível do tipo super-herói. Mas será mesmo assim? Os homens estão sempre prontos para o sexo? Não estão, e importa esclarecer este mito.

O desejo sexual masculino é afinal um processo complexo, com mais de trinta neurotransmissores, péptidos e hormonas envolvidos, ainda sofre a influência de factores psicológicos e relacionais, tal como o desejo feminino. É irrequieto e activado por uma diversidade de estímulos, que nem precisam ser muito elaborados.

O QUE É QUE MOBILIZA O DESEJO SEXUAL MASCULINO?
Quando falamos das predileções eróticas dos homens entramos no reino da diversidade, mas há alguns exemplos que podemos arriscar generalizar. Em primeiro lugar e à cabeça da lista, as imagens, os estímulos visuais. Não é uma imagem qualquer, obviamente, mas a imagem do corpo feminino (no caso heterossexual) ou do corpo masculino (no caso homossexual), ou de algumas partes em particular e com aquelas características específicas, ao gosto de cada um, claro. A investigação tem repetidamente demonstrado a sensibilidade masculina para os estímulos visuais. Assim que a imagem é registada no cérebro a resposta de excitação física e psicológica é imediata. Mas para além da componente visual, há outros “gatilhos” psicológicos que merecem destaque. O que reúne maior consenso, é a demonstração do prazer da parceira/o. Receber um feedback inequívoco do prazer do outro (confirmatório da sua competência) tem um valor erótico fortíssimo. Este é talvez o maior activador do desejo/excitação sexual masculino. Depois, há outro relevante que quero distinguir: a transgressão. Uma situação ou contexto proibido, interdito, é um peso pesado no erotismo masculino. Foi sempre assim, tanto no universo masculino como no feminino, e isto ajuda a explicar a manutenção e perpetuação de triângulos amorosos durante anos.

O QUE É QUE DISTINGUE O DESEJO MASCULINO DO FEMININO?
O desejo dos homens é mais constante, e o das mulheres é mais flutuante (flutua em função de quase tudo, desde o ciclo menstrual ao estado emocional). Esta é uma das principais diferenças. Contudo, à semelhança do desejo feminino, também o masculino pode disparar dos zero aos cem em três segundos ou cair dos cem aos zero nos mesmos três segundos. Digamos que o desejo sexual dos homens não é assim tão frágil, embora também possa ser afectado e perturbado por diversos factores. O desejo masculino é mais facilmente activado, e os homens predispõem-se mais para o sexo do que as mulheres. Por exemplo, os homens têm sexo para adormecer melhor, para aliviar o stress, para lidar com a frustração, ou para espantar a tristeza. As mulheres não, não se envolvem em actividade sexual se estiverem com stress, ou tristes, e muito menos se estiverem cansadas.

Muitas vezes, trata-se apenas dum mecanismo autónomo de excitação sexual, que o homem simplesmente reconhece e persegue. Ou seja, surge uma erecção e o homem persegue os estímulos até chegar ao sexo (quando pode, evidentemente, nem sempre é possível, e ainda bem).

Outra diferença considerável diz respeito às variáveis psicológicas. O desejo feminino é mais orientado para a conexão emocional, o masculino não tanto, é mais livre, não precisa da componente emocional. O desejo feminino é mais contextual, precisa do contexto, o masculino não tanto. Para o desejo masculino, não importa se o jantar correu mal, isso foi há três horas atrás, já passou, agora é outro momento e podemos ter sexo. Para as mulheres, dificilmente será assim.

O desejo e a actividade sexual podem ser para os homens uma forma privilegiada de expressão e comunicação, em detrimento da comunicação verbal, ao passo que o desejo das mulheres não prescinde duma boa conversa. Para ajudar alguns casais no consultório a perceber as diferenças entre o desejo sexual dele e dela, costumo dizer muitas vezes que a mulher quer chegar ao sexo através do amor, e o homem quer chegar ao amor através do sexo. E com frequência há grandes desencontros.

O QUE É QUE PODE PERTURBAR O DESEJO SEXUAL MASCULINO?
Pois, de facto não sendo à prova de fogo, o desejo dos homens também se perde, e são vários os factores que o podem abalar. Apesar de ser um desejo mais constante, os homens não estão sempre prontos para o sexo, e é importante desmistificar esta ideia. Os factores perturbadores do desejo masculino podem ser de vária ordem, começando pelo estado de saúde, passando por motivos económicos até aos factores relacionais. Se houver doença física (ou mental) o desejo sexual pode ser perturbado, não só pela doença em si mas também pelos tratamentos para as doenças, por exemplo, os antidepressivos (não todos). Mas também os factores psicológicos podem perturbar o desejo masculino, como sejam os aspectos emocionais e relacionais. O humor depressivo, tristeza, ansiedade, preocupações, ou problemas na relação podem afectar negativamente o desejo sexual. Relativamente aos estados emocionais negativos, como o humor deprimido, a investigação tem demonstrado um impacto negativo para alguns homens mas não para outros, e muito pelo contrário, podendo o sexo ser uma espécie de regulador do humor. Em 2011 liderei um estudo Europeu com 5.255 homens heterossexuais de 3 países (Portugal, Croácia e Noruega) e 14% de homens relataram perda de desejo sexual por um período de pelo menos 2 meses nesse ano. Os Portugueses tiveram os melhores resultados (10% de Portugueses, 17% de Croatas e 22% dos Noruegueses). Neste estudo várias razões foram apontadas pelos próprios homens para a perda do desejo. Em primeiro lugar, o stress profissional, em segundo lugar o cansaço, e em terceiro factores relacionais (e.g. conflitos com a parceira, problemas de comunicação, contextos de hostilidade). Outras razões foram apontadas, mas estas foram as principais.

O DESEJO MASCULINO COMO UM “SOLITARY AFFAIR”
O desejo masculino e a procura de excitação sexual pode ainda existir totalmente independente de um relacionamento e assim desligado da intimidade amorosa. Ou seja, como uma actividade a solo. Um homem pode sentar-se sozinho em frente do computador, meio-mesmerizado, numa busca rápida daqueles estímulos específicos que imediatamente incendeiam a sua excitação e conduzem a uma satisfação sexual fácil e livre de todo o trabalho que custa o investimento relacional. E para isto, a Internet oferece o que nenhum outro meio ofereceu até hoje: o acesso directo e a baixo custo à maior coleção de estímulos sexuais, a qualquer hora do dia ou da noite. Mas sobre o impacto da pornografia, falamos outro dia.